A Sociedade Rural Brasileira vem a público demonstrar preocupação com o efeito dos cortes no orçamento da União, especialmente no que se refere aos recursos destinados ao financiamento do agronegócio. A entidade entende que uma mudança no modelo do crédito rural no Brasil se torna cada vez mais urgente e está trabalhando em uma proposta que será apresentada em breve. “É visível que o governo federal está cada vez mais sem grau de liberdade em seu orçamento fiscal”, diz o vice-presidente da SRB, Renato Junqueira.

Em documento recente, o Instituto Pensar Agropecuária, do qual a SRB faz parte e que reúne 44 entidades ligadas ao setor, destacou o tamanho do problema. Na proposta orçamentária original para 2021, estavam previstos R$ 10,3 bilhões para o Plano Safra, o que inclui crédito rural, seguro rural e apoio à comercialização. Mas ao passar pelo Congresso Nacional, este valor foi reduzido para R$ 7,55 bilhões. O próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já teria admitido que mesmo o valor original seria insuficiente para atender todas as demandas do Plano Safra, considerando que os custos de produção aumentaram 20% no período e que os juros no Brasil estarão mais altos – a taxa Selic foi elevada recentemente e novos aumentos são esperados ao longo do ano – , fator que impacta na demanda por mais recursos para dar subvenções ao setor, afetando especialmente a agricultura familiar. A peça orçamentária aguarda pela sanção ou pelo veto total ou parcial por parte do presidente Jair Bolsonaro.

 

Um novo modelo

 

O alerta sobre a necessidade de mudanças urgentes no financiamento agropecuário não se refere apenas aos cortes no Plano Safra. No final de março, foi publicada a lei que cria os Fundos de Investimento das Cadeias Produtivas Agroindustrias (Fiagro), porém, com vetos presidenciais. É um mecanismo para facilitar o financiamento do agro por meio de diferentes ferramentas, especialmente financeiras, como títulos de securitização, certificados do agronegócio ou imóveis rurais e cotas de fundos com investimento predominante no setor. Pelo veto, foi retirada a isenção do Imposto de Renda para os rendimentos do Fiagro, o que na opinião de especialistas, fará com que o mecanismo perca um dos seus principais atrativos aos investidores.

“A Sociedade Rural Brasileira entende que é possível sim construir uma saída, garantir financiamento ao agronegócio por meio de instrumentos modernos”, diz a presidente Teresa Vendramini.  A SRB defende um modelo disruptivo, que ofereça juros civilizados ao agricultor e pecuarista.

O diretor Renato Junqueira lembra que, com os cortes no crédito agrícola tradicional, cada vez mais produtores rurais precisam recorrer ao financiamento das tradings e empresas de insumos. “As operações de Barter são uma alternativa, mas acabam encarecendo o mix de recursos tomados pelos agricultores”, diz ele.

O modelo proposto pela SRB tem como base a chamada Lei do Agro, aprovada em 2020, que ampliou as possibilidades de financiamento agropecuário por meio dos chamados títulos do agronegócio e outras operações ligadas ao mercado financeiro.

Junqueira explica que a prioridade deve ser a criação do FGCA – Fundo Garantidor do Crédito do Agronegócio, inspirado em modelo de sucesso já adotado no mercado financeiro, que resolveu o problema do empoçamento de liquidez, fazendo os recursos chegarem para os pequenos e médios bancos, “evitando assim crises bancárias dentro das crises econômicas”.

Por este sistema, os CDBs (Certificados de Depósito Bancário) são cobertos pelo FGC e, desta forma, atraem investidores que se sentem amparados pelo menor risco e pela “garantia” oficial de que, seja qual for a mudança de cenário, até mesmo se o banco quebrar, seus recursos estarão a salvo.

A proposta agora é a CPR (Cédula de Produto Rural) seja também garantida pelo FGCA.

“Os agricultores que estiverem dentro deste sistema serão vistos como risco triple A , ou seja, de baixíssimo risco, e terão acesso a recursos de fundos nacionais ou estrangeiros a juros civilizados”, ressalta o dirigente.

A proposta está sendo discutida pelos grupos de jovens da SRB e também pelo Comitê de Mercado e Finanças da entidade. “Estamos ampliando a discussão, ouvindo técnicos, estabelecendo parcerias com entidades como a Febraban, e em breve teremos um modelo definido para apresentar ao mercado e ao governo”, explicou a presidente Teresa Vendramini.

Outro diferencial da proposta da SRB é atrelar a agricultura brasileira ao modelo chamado de ESG, que na sigla em inglês indica ativos lastreados nas boas práticas de governança do ponto de vista social e ambiental. “A FAO calcula que precisamos aumentar a produção de alimentos em 40%, isso só será possível se, além da eficiência e produtividade que já marcam a agricultura brasileira, demonstrarmos ao mercado financeiro que estamos amplamente adequados aos modelos de sustentabilidade econômica, social e ambiental”, completou Vendramini.