Centenas de mulheres de todas as regiões do Brasil se reuniram para compartilhar desafios e reivindicar mais representatividade no setor

A Sociedade Rural Brasileira (SRB) abriu as portas da sede da entidade, em São Paulo, no dia 16 de outubro, para receber mais de 200 mulheres de todas as regiões do Brasil no Encontro de Lideranças Femininas do Agronegócio. Pecuaristas, agricultoras, pesquisadoras, professoras, empresárias e estudantes se reuniram para dividir experiências no campo, compartilhar desafios e mostrar como a presença feminina pode favorecer o desenvolvimento do agronegócio brasileiro.

Organizado pela diretora de Pecuária da SRB, Teresa Vendramini, o encontro antecipou os debates da 2ª edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, realizado em São Paulo nos dias 17 e 18 de outubro. “O que as mulheres precisam é de oportunidade, não estamos falando para um grupo restrito e privilegiado, falamos para todas, inclusive as que hoje estão excluídas das principais discussões do setor”, disse Teresa.

Para reforçar o caráter abrangente e inclusivo do encontro, a diretora da SRB reuniu representantes de 13 estados, mulheres de todas as idades, grandes e pequenas produtoras com atuação em todos os biomas brasileiros. As experiências com o agronegócio variavam de acordo com o perfil de cada mulher e ajudaram a tornar as histórias mais ricas. Algumas tiveram o primeiro contato com o setor como sucessoras naturais em suas propriedades, outras partiram para a cidade em busca de especialização para só depois retornar ao campo. Há ainda aquelas que vivenciam o agro diariamente em empresas, centros de pesquisa, universidades e núcleos regionais de apoio à mulher.

“As mulheres vão ajudar a definir os rumos para os desafios mais complexos do agronegócio”, disse Marcelo Vieira, presidente da SRB. Vieira lembrou que nos últimos anos o setor caminha rumo a uma realidade mais moderna e democrática, deixando de lado alguns dogmas do processo de sucessão, como a tradição de passar os negócios ao filho mais velho. “Quem assume agora é aquele mais bem preparado e atualizado, as mulheres devem estar prontas para assumir cada vez mais responabilidades”, enfatizou o presidente da SRB.

Na visão de Lucimara Chiari, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), grupos de mulheres formados para discutir questões do agronegócio estão em alta no Brasil. Na Embrapa elas já representam 34% da equipe nacional de pesquisadores, percentual em franco crescimento. “As mulheres têm uma aptidão natural para abraçar a ciência e a tecnologia”, ressaltou Lucimara ao exemplificar como elas podem contribuir para o desenvolvimento do setor.

Inclusão

A história da gaúcha Marlene Klassmann definiu um dos pontos mais marcantes do evento. Em sua primeira participação em um encontro de mulheres ligadas ao agronegócio fora do Rio Grande do Sul, Marlene narrou a trajetória de vida com os pais e os irmãos na pequena propriedade localizada em Selbach, cidade com menos de 5 mil habitantes do interior do Estado. “Pode faltar tecnologia, internet e até energia elétrica, mas nunca faltou amor pela terra e pelo trabalho no campo”, Contou Marlene.

Da infância simples ajudando os pais na lavoura com o preparo da terra e colheita dos alimentos, Marlene conta que superou a falta de acesso a meios de especialização e provou ser capaz de administrar a propriedade com a mesma competência dos irmãos. Hoje, é considerada produtora referência na região. “Se tivesse um livro da vida, o dia de hoje teria uma página especial”, reforçou Marlene ao falar da importância da união de pequenas e grandes produtoras em prol de um mesmo objetivo.

Para Teresa Vendramini, a história de Marlene ilustra a capacidade de inclusão das reinvindicações femininas no agronegócio. A exemplo da gaúcha de Selbach, milhares de outras trabalhadoras familiares lutam por políticas públicas diferenciadas para a produção de pequena escala, essencial para política alimentar de alguns municípios pelo interior do Brasil.

Aplaudida de pé no auditório da SRB, Marlene deu o tom que norteou os demais depoimentos durante o evento. “Nosso encontro deixou claro que temos várias demandas e necessidades, mas a pauta “inclusão“ foi a mais aceita e discutida. Inclusão de mulheres por todas as mulheres”, disse Teresa.

Os desafios

O Encontro de Lideranças Femininas do Agronegócio reuniu uma coletânea de relatos distintos, moldados pelas particularidades regionais e socioeconômicas de cada mulher. Era possível, entretanto, observar muitas semelhanças nos desafios enfrentados. Elas compartilharam reinvindicações como acesso a capacitação técnica, ingresso a oportunidades de emprego, igualdade salarial e credibilidade na profissão.

Segundo Teresa Vendramini, à medida que se torna mais democrático e considera a realidade feminina, o setor consegue se posicionar com mais clareza perante a sociedade e ganha autonomia para influenciar tomadores de decisões nas instâncias políticas. Nesse sentido, o objetivo das mulheres assemelha-se ao dos demais agentes do setor: pleitear o reconhecimento do agronegócio brasileiro como um dos mais eficientes e sustentáveis do mundo, valorizando o trabalho do produtor rural.

Para Ana Cláudia Neiva, professora de zootecnia na Universidade Federal do Tocantins (UFT), as mulheres estão conquistando o espaço de fala pelo qual tanto lutaram. No estado, o grupo liderado por Ana Cláudia reúne 183 mulheres na troca de informações a aprendizado. Conciliar o trabalho com a maternidade, buscar capacitação técnica e conquistar posições de liderança em projetos agropecuários da região são alguns objetivos. “Por ser mais visada a mulher precisa provar seu valor a todo momento, precisamos de resiliência e união para superar esses obstáculos”, disse Ana Cláudia.

Capacitação e valorização

“Mesmo as mulheres mais capacitadas ainda são desvalorizadas e encaradas com desconfiança no campo”, disse Claudia do Val, de Goiânia, Goiás. Na região, o Núcleo Feminino da Pecuária Goiânia reúne cerca de 150 mulheres ligadas à produção e bovinos no Estado. O núcleo discute o futuro da pecuária e dissemina a participação das mulheres no campo, multiplicando conhecimentos práticos e teóricos sobre os temas que envolvem a gestão de propriedades rurais.

De acordo com Maria Iraclézia de Araújo, presidente da Sociedade Rural de Maringá (SRM), no Paraná, as mulheres já são estão equiparadas aos homens em capacidade de produção e gestão. “Precisamos nos unir para pleitear políticas públicas para combater as desigualdades e a violência contra a mulher no campo”, reivindicou Maria.

“O instinto feminino humaniza o agro, tem energia e paixão para criar e transformar”, disse Eloá Rigolin, zootecnista e consultora em Cuiabá, no Mato Grosso. No Estado, a Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais usa cases de sucesso para mostrar ao público urbano quem são as mulheres de sucesso por trás da produção de carne bovina.

O futuro

Para Vanessa Sabioni, criadora do portal Agro Mulher, as mulheres precisam de mais espaços para conquistar visibilidade e compartilhar fragilidades da rotina no campo. A engenheira agrônoma criou o portal em maio de 2017 para interagir com estudantes e profissionais sobre temas como tecnologia, carreira e gestão.

Após o encontro, outras iniciativas lideradas por mulheres começam a despontar no Brasil. Verena Bannwart e outras representantes da cidade de Rio Verde de Goiás já planejam implantar na região o Projeto Garupa. A ideia é que mulheres em posições mais privilegiadas “adotem” aquelas que ainda carecem de especialização, ajudando-as a superar os desafios da produção.

A iniciativa de Vanessa e Verena, segundo Teresa Vendramini, podem servir de inspiração para criar uma plataforma digital unificada, capaz de reunir as reinvindicações e necessidades de cada grupo regional. “Temos um grupo unido, atuante e com boas ideias, nossa intenção agora é dar abrangência e alcance ao projeto”, ressaltou Teresa.

As Mulheres do Agro, como ficaram conhecidas durante o encontro, pretendem realizar novas edições do Encontro de Lideranças Femininas do Agronegócio em outros estados do Brasil. Uma proposta de internacionalização também foi colocada em pauta, convidando associações femininas de países sulamericanos para os debates.