Produtores também enfrentam dificuldades para receber à vista pela venda porque empresa só paga após 30 dias
Os efeitos devastadores da delação premiada dos executivos da JBS já são sentidos em toda a cadeia produtiva de carnes do país e preocupam os pecuaristas. A crise começou antes mesmo de os depoimentos dos donos da companhia envolvendo o presidente Michel Temer virem a público, no mês passado: a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, sobre irregularidades em frigoríficos, já havia afetado a exportação de proteína animal do Brasil. O escândalo das delações só fez agravar a situação: com a redução do abate pela JBS, o preço da arroba do boi caiu, e o gado lota os pastos, para desespero dos pecuaristas.
Os produtores nacionais têm enfrentado dificuldades para receber à vista pela venda do gado — a JBS determinou que todas as compras sejam pagas somente após 30 dias. Além disso, vários bancos estariam se recusando a receber as notas promissórias emitidas pelo frigorífico, com medo de calote, deixando os pecuaristas estrangulados, sem recursos.
Com a credibilidade afetada pela delação, muitos produtores só aceitam vender para a JBS à vista. O resultado é uma queda no total de bois abatidos e gado parado, lotando os pastos dos pecuaristas e dando prejuízo para aqueles que mantêm os animais confinados.
Enquanto isso, as principais concorrentes da JBS — Minerva Foods e Marfrig — não têm capacidade de processar a mesma quantidade de gado que era comprado pelo frigorífico. Procuradas, as duas empresas não quiseram comentar o assunto.
Produtor quer buscar outros estados
O vicepresidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro Camargo Neto, aponta que o problema é mais grave no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul (estados que têm os maiores rebanhos do país), onde a JBS concentra a maior parte da capacidade de abate. Os produtores não têm a opção de vender para outras empresas. Por problemas de logística e de custo, eles não conseguem levar o gado para ser abatido em outros estados.
— É um problema muito sério. Você tem uma estrutura de abate que não é usada, e alguns bois ficam sem ter para onde ir. Os preços estão caindo. Em Mato Grosso, a JBS concentra 50% da capacidade de abate. Em Mato Grosso do Sul, a empresa tem cerca de 40%. Você não tem o que fazer com esse gado todo de uma vez — explica Camargo.
Preço da arroba tem queda histórica
Em Mato Grosso, as estimativas apontam que o preço da arroba acumula queda de 5% desde o início da crise da JBS, segundo o diretorexecutivo da associação dos criadores do estado (Acrimat), Luciano Vacari. Os produtores pediram ao governo do estado que agilize a certificação de frigoríficos locais — que representariam uma alternativa à JBS — e demandam, ainda, a isenção de ICMS para levar o boi para ser abatido em outros estados, onde há mais opção de empresas.
— O problema é a concentração do mercado pela JBS. Com a crise política deles, as outras indústrias frigoríficas estão se aproveitando para, mais uma vez, pressionar o preço e comprar mais barato. Isso tem um impacto direto na renda do pecuarista, que está tomando prejuízo – afirma Vacari.
Ayé o escândalo da delação, a JBS pagava à vista ao pecuarista pela compra dos bois. Depois do episódio, o grupo empresarial que detém marcas como Friboi e Seara, mudou o modelo de negócio e passou a quitar a fatura em 30 dias, emitindo Nota Promissória Rural.
O resgate antecipado da nota promissória em instituições financeiras tem sido outra dificuldade para os pecuaristas. Há relatos de que alguns bancos não estão aceitando descontar a nota, que permite a antecipação do crédito. Outros estados também têm problemas. O gerente de estudos técnicos da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Edson Novais, explica que a JBS representa quase 40% do total da capacidade de abate de bovinos no estado e que a crise da companhia afeta todos os produtores.
Os bancos não estão mais aceitando as promissórias da JBS. Tudo isso está pressionando a arroba para baixo. A grande preocupação é com a artificialidade do preço do boi, porque os custos continuam altos, a quantidade de abate não está normal — afirma o produtor.
Produtor de gado na cidade de Jataí, no interior de Goiás, Evandro Vilela de Barros afirma que os produtores estão apreensivos com a situação da JBS e temem até mesmo um calote. Ele conta que os pecuaristas também pediram ao governo do estado para facilitar o transporte do gado para ser abatido em outras unidades da federação
— O negócio não está fácil. A gente está vendendo menos, e os concorrentes deles estão pagando menos, mas os custos para a criação do animal ficaram maiores. A realidade é que há uma dependência da JBS. Esse é o mal do monopólio. A situação é de muito prejuízo — diz o pecuarista.
Um levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), comprova as queixas dos produtores. Em maio, os preços da arroba de boi gordo recuaram 4,63%, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Foi a maior queda para o mês desde 1998, início da série histórica.
Período de seca vai agravar situação
Os pesquisadores ressaltam que a situação poderia ser pior, com os preços caindo ainda mais, se não fossem as boas condições climáticas. Com mais chuvas no mês, os pecuaristas podem “segurar” os animais no pasto, sem necessidade de vendêlos rapidamente e sem custos adicionais para manter o peso dos bois. O problema, avaliam os produtores, é que o período de seca vai começar agora.
— Nós estamos prevendo uma crise muito grande na hora que esse boi tiver que ser abatido. Quando parar de chover, tiver uma geada, ou os pastos secarem, será preciso abater os animais, porque o prejuízo é ainda maior. Mas não há frigoríficos suficientes, porque a JBS está comprando menos, e não tem alternativa — afirma Camargo Neto, da SRB.
Em nota, a JBS informou que “padronizou todos os processos de compra de gado no Brasil há mais de um mês, com pagamento no prazo de 30 dias, o que já acontecia em 97% das praças onde atua.”
Os preços da arroba de boi gordo continuam em queda em junho, alcançando, na parcial do mês, a menor média real da série histórica do Cepea desde agosto de 2013: R$ 130,86.
Além da crise da JBS, o Cepea destaca que o volume das exportações de proteína animal caiu 10% em maio (frente ao mesmo mês do ano passado), refletindo a Carne Fraca, e o mercado interno ainda não é capaz de aumentar seu consumo de carne.
Apesar da paralisia nos negócios de boi e do recuo nas cotações, a carne continua cara para o consumidor. Em maio, na média nacional, os preços aumentaram 0,14%, segundo dados da inflação oficial, medida pelo IBGE.
Fonte: O Globo