Entidade alerta que manutenção de decisão do Ministro Gilmar Mendes no caso Fethab criará jurisprudência para impedir o acesso de associações, ligadas ou não ao agronegócio, à Suprema Corte pela via coletiva

A Sociedade Rural Brasileira (SRB) vem a público alertar que um julgamento virtual, previsto para acontecer na próxima sexta-feira, dia 3 de abril, pode ameaçar a representatividade de entidades de classe no Brasil, ligadas ou não ao agronegócio. O recurso pautado para a sessão de julgamento diz respeito ao Agravo Regimental interposto pela SRB, que questiona decisão monocrática do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes no caso Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação), cobrado no Estado do Mato Grosso.

Relator do caso Fethab, Gilmar Mendes negou dar seguimento na ação, sob o argumento de que a SRB não teria preenchido o requisito da homogeneidade de classe. Embora a SRB seja uma entidade centenária e com presença nacional, no entendimento do Ministro do STF, “produtor rural” não seria uma classe, como produtor de milho ou criador de gado, isoladamente. “A manutenção da decisão no julgamento virtual criará um risco para a representatividade de diversos setores e será catastrófica para uma infinidade de associações, sem precedentes na história do País”, avalia o advogado Marcelo Lemos, diretor jurídico da entidade.

A SRB interpôs o Agravo Regimental para tentar reverter a decisão. No agravo, a SRB demonstra que é uma entidade centenária, ocupada por membros com notório vínculo com a atividade rural e historicamente ligada à defesa dos direitos e deveres de produtores rurais. 

A entidade ainda avalia que o agendamento do julgamento do recurso, feito às pressas em meio a uma crise pandêmica no País, também causa preocupação e perplexidade. Na sua alegação, a SRB destaca que, em razão do novo coronavírus (covid-19), os Ministros do Supremo não têm recebido os advogados presencialmente para despachos, o que pode privar o julgamento de um debate mais maduro.

“Corremos o risco de consolidar uma jurisprudência defensiva que, futuramente, vai impedir que as entidades de classe possam defender seus associados em Ações Diretas no Supremo”, alerta Marcelo Lemos. 

Segundo o especialista, o requisito da homogeneidade é aberto e debatido em muitas ações em trâmite no STF. A Suprema Corte ainda busca elementos concretos para orientar o conceito e definir uma jurisprudência. “Em um momento tão excepcional, o mais prudente seria evitar julgamentos de exceção, sobretudo envolvendo temas tão importantes”, defende o diretor. 

 

Entenda o caso Fethab

No dia 10 de fevereiro de 2020, a SRB ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF contestando a constitucionalidade do Fethab. A equipe de advogados da entidade que formulou a peça apontou indícios de inconstitucionalidade não apenas sob a perspectiva tributária, mas também sob o ponto de vista de violações econômicas e orçamentárias, tanto formais como materiais. A ação foi distribuída por sorteio ao relator ministro Gilmar Mendes. 

A SRB sustenta que o Fethab vem causando permanente aumento de custos para agricultores do Mato Grosso. O fundo, que incide sobre a comercialização de commodities, ficou mais caro para os agricultores em 2019, quando o Governo do Estado ampliou a alíquota de tributação para produtos como boi, soja, algodão e milho. 

Apesar do expressivo incremento de R$ 541 milhões por ano aos cofres públicos, diz a SRB, o governo não confere ao fundo sua devida finalidade, como reverter os recursos arrecadados para a construção e manutenção da infraestrutura rodoviária e habitação. “Cada vez mais produtores mato-grossenses passaram a procurar a SRB relatando, por exemplo, que a precariedade das estradas inviabiliza o escoamento da produção”, diz Marcelo Lemos.

Segundo a SRB, apenas R$ 380 milhões do valor arrecadado pelo Fethab em 2019 foi repassado para a Secretaria de Infraestrutura. O restante tem sido aplicado pelo Tesouro do Estado indiscriminadamente. “Quando os recursos desviados de sua finalidade proposta se tornaram insuficientes, aumentaram a carga tributária e sacrificaram a atividade rural”, explica o diretor.