Na contramão de uma crise que se agrava a cada dia, como constata a nova projeção do FMI de um recuo de 3,8% no PIB brasileiro em 2016, o setor de agronegócios segue uma tendência de crescimento e exibe números que revelam o dinamismo de um setor fundamental para o país.

A segunda previsão do ano feita pelo IBGE confirma que a safra de 2015/2016 da produção de grãos será de 211,3 milhões de toneladas, um aumento de 0,9% em relação ao ano anterior, que registrou 209,5 milhões de toneladas, um recorde histórico. O levantamento feito pelo Instituto também confirma aumento da área a ser colhida, que será de 58,4 milhões de hectares (+1,2%).

As estimativas indicam aumento na produção de soja (4,9%), e também da área cultivada (+2,7%). Mas em relação ao ano de 2015, a produção de milho e arroz deve recuar ligeiramente.

Já o levantamento feito em fevereiro pela Conab (Confederação nacional de abastecimento) indica que a produção de soja deve ser de 100,9 milhões de toneladas, com crescimento de 3,6% da área plantada (33,23 milhões de hectares) em relação à safra anterior.

Carro-chefe da agricultura brasileira, a soja é um exemplo considerado bastante ilustrativo da evolução do agronegócio brasileiro. “Desde a década de 70, a produtividade do setor se multiplicou por cinco”, afirma Gustavo Diniz Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).

“Soja tropicalizada”

“A soja foi ‘tropicalizada’ e com muitas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias locais, ela se adaptou aos terrenos do cerrado, muito áridos. Os investimentos de tecnologia de ajuste do solo com insumos, aumento da matéria orgânica, etc. A soja foi o grande catalisador do movimento do agronegócio”, resume Junqueira.

Além das estimativas de produção, a Conab indica também que a produtividade também cresce, com projeção de 3.037 kg/ha. “Nós temos uma grande produtividade porque temos solo fértil, um clima que nos ajuda, produtores que investem em tecnologia e novas variedades em adubação. Nosso crescimento de produtividade é devido ao crescimento da produção e não da área aberta, áreas novas. Até porque o Brasil tem uma legislação muito rigorosa e não podemos mais mexer em áreas de florestas, áreas consolidadas”, ressalta José Sismeiro, presidente da Aprosoja –PR.

Segundo ele, as estimativas de colheita no Brasil podem ser menores devido às variações do clima, mas não devem alterar um cenário já consolidado de maior exportador mundial do produto. Estimativas do Departamento Americano de Agricultura (USDA) indicam que o Brasil terá participação de 44% do comércio mundial este ano.

“O que vemos com muitos bons olhos é que hoje no Brasil não estamos exportando mais o grão in natura. A gente também está industrializando, ou seja, transformando a soja e o milho em ração e essa ração alimenta o setor avícola, a suinocultura, a piscicultura. A gente pega a matéria-prima e transforma a parte final, que é a proteína, carne. O que nos garante um ganho de industrialização, criando postos de trabalho e agregando valor ao setor primário”, explica Sismeiro.

Mundo bebe 40% de café brasileiro

Em outro segmento em que o Brasil é líder mundial, o café, os dados também revelam crescimento. As exportações de março atingiram cerca de três milhões de sacas, ou seja, um aumento de 2,5% em relação ao mês anterior, de acordo com o relatório mensal publicado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

“A desvalorização do real sem dúvida colaborou neste último ano, mas o desempenho do Brasil tem aumentado nos últimos anos. O Brasil melhorou muito a sua produtividade, sua qualidade e a eficiência do comércio exportador tem propiciado essa liderança no ranking das exportações. Hoje podemos falar que cerca de 40% do que se bebe no mundo, a origem é Brasil”, diz Nelson Carvalhaes, presidente do Cecafé.

O documento mostra ainda que no ano safra (de julho/2015 a março/2016), as exportações registraram 27,9 milhões de sacas, o que representa um aumento de 0,6% em comparação com o ano anterior. As vendas também aumentaram no primeiro trimestre do ano, segundo o Cecafé, até para países produtores, e portanto, concorrentes do país como Equador, Colômbia e Quênia.

“O Brasil tem várias regiões produtoras e produz tanto o arábica quanto o robusta. Hoje, o país tem condições de exportar até para os seus concorrentes, que tem uma demanda crescente de seu mercado interno. Ou seja, o Brasil tem condições de suprir além dos importadores tradicionais, os novos mercados e os países concorrentes também”, avalia. “O Brasil tem uma característica muito forte. Muitos países só conseguem exportar por um período do ano, quando colhe e vende. O Brasil está no mercado durante 12 meses no ano”, garante.

Agricultura é locomotiva do PIB

Segundo o IBGE, no ano de 2015, em que o PIB do Brasil encolheu 3,8%, o único setor que registrou crescimento foi o do agronegócio, com expansão de 1,8%. Outros segmentos da economia sentiram o efeito da crise e recuaram: indústria (6,2%) e serviços (2,7%).

“A economia hoje do agronegócio representa atualmente um terço do PIB, quando se leva em conta toda a cadeia, de todo o sistema de produção, passando pela formação de profissionais, armazenagem, transformação e até chegar aos produtos de maior valor agregado ao consumidor”, afirma Junqueira, presidente da SRB. “O agronegócio é que sustenta a balança comercial do Brasil”, resume José Sismeiro, da Aprosoja –PR.

A desvalorização do real, que perdeu 48% de seu valor em relação ao dólar em 2015, contribuiu de maneira expressiva para o desempenho das exportações de produtos agrícolas brasileiros. “O que salvou a agricultura do Brasil foi essa desvalorização do real. Se o dólar estivesse por volta de 2 reais, 1,80, inviabilizaria até nosso plantio”, defende Sismeiro.

Mas o câmbio não pode ser tomado como o único fator para o desempenho crescente das exportações. “O câmbio tem um impacto, mas geralmente é no curto prazo”, garante Junqueira. “O grande ganho do agronegócio brasileiro está na produtividade. O que a gente tenta fazer no Brasil é ter o produto de melhor qualidade e com o melhor preço”, explica.

Batalha da competitividade

Se o Brasil foi beneficiado nos últimos anos pelo aumento dos preços das commodities no mercado mundial, era de se esperar uma queda com a conjunção de pelo menos dois fatores: as perspectivas de aumento de produção e uma desaceleração mais acentuada da economia mundial, que poderia diminuir a demanda. No entanto, os preços têm se mantido estáveis.

“Sempre haverá uma luta de preços quando se fala de commodities. O que temos que fazer é diminuir os custos de produção para aumentar os ganhos de produtividade. Por isso é preciso entender nosso agronegócio como empresarial”, explica o presidente da SRB. “Mesmo um pequeno produtor de flores que exporta para a Europa tem que se adaptar muito rápido à transformação do ambiente. A adaptação é o segredo do sucesso”, prossegue Junqueira.

“O agronegócio está percebendo isso e, por outro lado, tem um crescimento muito grande da classe média mundial e a que vai exigir mais proteína para satisfazer suas demandas básicas”, afirma.

Essa perspectiva otimista também encontra eco entre os produtores e exportadores de café brasileiro.

“O cenário para o consumo mundial de café é crescente. O consumo de café tradicional cresce cerca de 2% ao ano, ou até mais. E o consumo dos chamados cafés especiais, do topo da pirâmide, cresce mais de 10% ao ano”, afirma Carvalhaes.

“Levando-se em consideração só os números básicos, isso significa que em dez anos, o mundo vai precisar de, no mínimo, mais 23 ou 24% de café nas origens produtoras. Hoje, o consumo mundial está em torno de 150 milhões de sacas de café, e dentro de 10 anos, nós vamos precisar de pelo menos 180 milhões de sacas. O Brasil tem uma estrutura muito eficiente e muito organizada e poderá atender esse mercado no futuro”, prevê.

Crise política afeta?

Segundo o presidente da Sociedade Rural brasileira (SRB), a atividade do agronegócio saiu das garras do “dirigismo estatal brasileiro” em vários outros setores nos últimos anos, o que permitiu destravar o avanço do setor.

“O agronegócio foi desregulamentado no início dos anos 90 do século passado e com isso tem se tornado cada vez mais uma economia de mercado”, diz Junqueira. “O Brasil é um dos países que tem os menores índices de subsídios federais e estatais na agricultura. Isso é algo diferente do que existe em qualquer outro país do mundo. Por isso a gente se mantém à margem da crise”, explica Junqueira.

No entanto, o atual cenário de instabilidade política do país é acompanhado de perto e com preocupação pelo setor do agronegócio. “O grande impacto do momento político para o agronegócio é que, com o passar do tempo, a grande questão é em relação ao planejamento. Se não houver uma orientação clara por parte da liderança do país de como a legislação, a organização vão funcionar, os investidores se retraem”, afirma.

“Não dá para ter volatilidade nesse setor. O Brasil hoje é um grande exportador de commoditie. Se houver diminuição da produção, vai ter impacto nos preços. E isso pode trazer um risco mundial para os países que também são nossos parceiros”, prevê o presidente da SRB. “Existe uma expectativa de que o Brasil seja um grande provedor de alimentos mundial”, completa.

Fonte: Rádio França Internacional